terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sobre conjugação sentimental e pieguismos



Já houve domingos em que caderno, caneta e amor bastavam.
E as sentimentalidades me vinham com facilidade, buscavam o
papel. Hoje elas travam. Fogem das minhas mãos, buscam o peito.

Sobre início, romance e fim




Muito eu quis que tivesse dado certo. E por muito me senti culpado. Ainda me culpo.
Mas hoje sei que assim devia ser. Fomos um para o outro mais que amantes. Fomos aprendizado. Tanto aprendi com o que não vivemos, que chega a ser difícil aceitar que tenha sido essa a maneira mais fácil de conhecer o amor. Retiro o fácil. De fácil nada teve. Quão difíceis foram as noites e noites remoendo, chorando. E todos os meus dias foram noites. Hoje te deixo ir, não desesperado, como sempre me imaginei, mas certo de que era o melhor a ser feito. Sabe, hoje tudo que passamos me faz sentido. Tudo se fez necessário acontecer. A nossa imaturidade se desfez. Desfez-se junto com a necessidade de termos um ao outro. E junto o amor também se foi. 
Se há algo que eu gostaria que você levasse de mim é a certeza de que o amor existe. Ame. E ame com tudo que puder. Não foi porque não demos certo que ele deixou de existir. Ele apenas espera a hora certa de se mostrar. Assim como essa era a hora certa de me dar conta que nossa história ficou no passado. Um passado pelo qual sempre serei grato. Passado que guardo com carinho. Um carinho tão grande que foi capaz de molhar esta carta que te escrevo, as lágrimas insistiram em passear pelo meu rosto e alcançaram o papel.
Prefiro terminar esse texto como a nossa história terminou, sem um final. E se houve um final, nunca saberemos ao certo quando foi. Uma história que também não teve começo. Uma história sem ‘era uma vez’ ou ‘foram felizes para sempre’. Mas que foi, sem dúvida, uma linda história de amor.


(15/06/2010)

domingo, 29 de maio de 2011

Sobre novas histórias e mesmas lembranças




É tão bom quando você vem me ver. Os dias passam e sempre me lembro de umas histórias. Tenho outras novas pra lhe contar. É bem verdade que de muito pouco já recordo. Se vez por outra chego às mesmas de sempre, não me entenda mal, algumas histórias não me deixam a mente. E as memórias se confundem, umas passeiam pelas outras, insistem em me enganar. Já tinha até esquecido o quanto você cresceu. Em alguns momentos o tempo passa lento, como se estivesse a me analisar; em outros, tão depressa, que décadas se dissolvem em horas. É como se semana passada tivesse lhe embalado em meus braços, ouvindo sua mãe falar para eu tomar cuidado, que eu já não tinha mais força para isso. A verdade é que as minhas mãos já rateavam, um ou dois copos já tinham me escapado, cacos de vidro pelo chão, mas você eu jamais deixaria cair. Ela morreu e lá se vão dois anos. Ou foram vinte? E só agora me dei conta que não era você; foi seu filho que eu estive a embalar semana passada. Verdade, o tempo não foi generoso comigo, ele achou graça fazer de mim um velho fraco, bobo. Mas parece que com você ele anda de bem, você está até mais novo. E agora percebo que a idade não me bagunçou só a memória, a visão também já não procura os detalhes como antigamente. Tanto que nunca tinha reparado nos brincos que você usa. E quando foi mesmo que você fez essas tatuagens? Eu nunca gostei de tatuagens. Elas marcam o corpo para sempre. Juro que não entendo você, filho. Passou a vida toda dizendo que jamais faria uma tatuagem, até quis expulsar meu neto de casa quando ele fez uma no braço. Agora você me aparece com uma idêntica à dele e no mesmo lugar. E me desculpe se estou falando neste tom, é que só agora me dei conta que você não é o meu filho, é meu neto, o da tatuagem. Mas e o que eu estive a embalar semana passada, quem era então? É que as informações recentes me vão embora com a mesma velocidade da morte que me vem chegando. E assim, dos bisnetos só restam lapsos. Dos nomes, nem o vulto. E por falar em nomes, qual é mesmo o seu? Ainda é cedo, não vá! Tinha algo a lhe dizer, mas me foge à lembrança. Por aqui tudo é tão triste; não queria ficar aqui sozinho. Filho, não vá. Eu já lhe falei do quanto você cresceu?! Era como se fosse semana passada; você nos meus braços e sua mãe dizendo pra eu tomar cuidado...Filho, por favor, não vá.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Sobre o mar, crianças e areia




Hoje eu vi o mar. Há quanto tempo eu não o via. Havia muitas pessoas. Era tarde de um sábado comum, se não fosse por um detalhe. Uma criança ao correr, lançou ao vento os grãos de areia que nos seus pés se acumularam. O vento os trouxe a mim. Já tinha me esquecido o gosto da terra na boca e nos olhos. É único. E incomodante. Esbocei uma daquelas palavras ditas no ímpeto de raiva, mas preferi não me estressar. Voltei para casa. Pensava já de modo diferente. Parece clichê, mas nós escolhemos que caminhos seguir. Poderia eu, ao receber aquela rajada inesperada de grãos soltos, terminar minha cerveja (agora cheia de terra) de cara emburrada. Fiz a escolha certa. Resolvi deixar pra lá. E quantos momentos desagradáveis na vida poderiam ser evitados se resolvêssemos deixar pra lá. Se não nos importássemos em engolir areia, de vez em quando. Agora, toda vez que eu pensar em me estressar, lembrarei do mar. E daquela criança, que me disse tanto, sem ao menos notar minha presença ou saber que eu existo.


(21/08/2010)




sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sobre alguém, solidão e cafeteiras


Já houve tempos em que as rádios tocavam música boa; digo MPB, com seus chorinhos e chorões, sambas e bossa nova. Hoje não toca mais. Experimente perguntar a uma adolescente o que é bossa nova. Capaz dela te dizer que tem a última da estação, uma Louis Vutton. Não se ouve mais música de qualidade, só toca o que vende; o que dá audiência. E atualmente, meu caro, o que dá audiência é vergonhoso de se dizer. Teve uma vez, minha mãe ainda era viva, eu liguei o som do carro. Pra quê eu fui ligar aquele som! Era um tal de vai que tá gostoso e outras frases ainda piores. Sabe quando o sangue esfria, dá frio na barriga, na cabeça, no pé? Pois é! A vergonha que eu senti da minha mãe e daquela situação foi tão grande que fiquei estático, não conseguia sequer apertar o botão de desligar. É por essas e outras que eu nem ligo mais o meu rádio. Mas acho que nem tudo está perdido. E foi pensando assim que ontem resolvi ligar o som. Eu ate levei um susto; estava tocando Noel Rosa. Depois me dei conta que era madrugada. Eles costumam tocar as melhores quando muitos já estão dormindo. Não sei por que isso. Deve ser porque eles têm vergonha de parecerem antigos. Depois começou a tocar Wave, de Tom Jobim. Tenho pra mim que Tom estava transando quando fez essa música. Não tem outra explicação. Fundamental é mesmo o amor, É impossível ser feliz sozinho. Amanheci com essa frase na cabeça. É impossível ser feliz sozinho. Resolvi escrever sobre isso.

‘É impossível ser feliz sozinho’. Será realmente verdade?!  Acho que sim. Mas pra ele não parecia. Apenas não parecia.

Era cedo. Umas 5h, talvez. Café quente, cheiro de casa de vó. Café de cafeteira, é claro. Ele não tinha ninguém que lhe o preparasse.

- Você deveria encontrar alguém,
- Alguém quem?
- Alguém cara, alguém. As pessoas fazem isso, sabia? Encontram alguém. Alguém que faça seu café. Vai que um dia a cafeteira quebra.
- Ora, compra-se outra. E depois outra, e mais outra. Um estoque de cafeteiras.
- Ó céus, não é a cafeteira! A cafeteira não importa.
- Como não importa? Importa sim. Ela que faz o café.
- AH, deixa a droga do café pra lá! Que se dane o café
- Como 'que se dane o café'? É o café, eu gosto do café. Café é muito bom. E além do mais faz bem, sabia? 
- Tá bom, desisto. O café faz bem. Mas e o seu almoço?
- Meu almoço? O que é que tem de errado com meu almoço?
- Faz mal se alimentar só de besteiras da rua. 
- Mas eu não como só besteiras. Tinha até pedacinhos de tomate na coxinha que eu comi ontem. E tinha alface no hambúrguer de domingo também. 
- Você vai morrer cedo se continuar comendo essas coisas.
- O que? Eu vou morrer? Cedo quando? Hoje? Eu vou morrer. Ai meu Deus, eu vou morrer. Tá tudo ficando escuro.
- Não, não! Se acalme. Não precisa ficar assim. E pra que esse telefone?
- Alô? É da funerária? É que eu to prestes a morrer e eu queria...
- Ficou louco? Desligue esse telefone! Você não vai morrer, é modo de falar.
- Sempre essas gracinhas de me fazer de bobo. Da última vez me fez vestir roupa de mulher no reveillon, dizendo que já era carnaval. 
- Cara, é sério. Você precisa ter alguém!
- Como é legal falar no telefone. Tem uma voz do outro lado que falou comigo, sabia?
- Ãn? Como assim? Você nunca tinha usado o telefone?
- Hum... Ah teve uma vez sim que eu usei, mas nem deu pra falar direito. Eu tentava falar, mas a mulher do outro lado não deixava. Ela ficava com um tal de 'Desculpe o transtorno..' e não sei o que mais lá, toda mal educada ela.
- Claro que ela não respondia. É uma mensagem gravada. Ela não responde.
- Então não tem graça ligar pra essa tal de mulher da mensagem. Não sei pra quê ela quer telefone então. Já basta o rádio que a gente escuta calado, sem poder reclamar do pessoal que canta mal.
- Falando em rádio, o seu já tá precisando de uma limpeza, né? Aliás, a sua casa toda. O que aquela cueca faz pendurada ali?
- Cueca?! Onde?
- Ali, olha... Oh meu Deus, não é cueca. É uma teia de aranha!
- Aah sim. Você até me assustou. Há tempos não uso cuecas. Até estranhei.
- Você não o quê?
- É, eu não uso. Pra que? Eu não saio de casa. E além do mais não tem quem lave.
- Caramba, é serio. Você precisa urgentemente de alguém.
- Tá bom então! Você me convenceu. Pegue a lista telefônica.
- Pra quê?
- Pra ligar pra alguém, ora. Você fala pra encontrar alguém e depois esquece? Parece que tá ficando lelé da cuca.
- E como você pretende fazer isso pelo telefone? Alô, aqui é um homem de meia idade, meio juízo, meio feio, meio banguela...
- Não se preocupe com isso. Ela não liga pra minha aparência.
- Como assim? Como não liga?
- Ah, acredite. Empregadas domésticas só querem saber quanto você pode pagar, é a primeira coisa que perguntam. Nem ligam pra aparência.
- Desisto! Não é desse tipo de alguém que eu to falando. É de alguém alguém, entende?!
- Alguém alguém? Não, não entendo.
- Alguém, cheiro de lavandacoração a mil, beijo na boca, pique-nique no parque, guerra de pipoca no cinema... entendeu?!
- Ah sim. Agora entendi. Eu já vi algo desse tipo na televisão, mas só que lá tinha sexo.

Escureceu. Estou sozinho novamente. Já se foi mais um dia. E eu aqui mais uma vez passei o dia todo dialogando comigo mesmo. Já não suporto mais fantasiar situações e conversas. Não tem ninguém que me faça companhia. Queria poder falar, ouvir, sentir, viver. Mas eu não sei fazer isso, eu não sei como... Ah, já sei!

- Alô? É da funerária?...Não, não. Ninguém morreu... É que eu só queria conversar um pouquinho mesmo... Sabia que é sempre bom ter mais de uma cafeteira?... É, elas costumam quebrar de vez em quando...