sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Sobre alguém, solidão e cafeteiras


Já houve tempos em que as rádios tocavam música boa; digo MPB, com seus chorinhos e chorões, sambas e bossa nova. Hoje não toca mais. Experimente perguntar a uma adolescente o que é bossa nova. Capaz dela te dizer que tem a última da estação, uma Louis Vutton. Não se ouve mais música de qualidade, só toca o que vende; o que dá audiência. E atualmente, meu caro, o que dá audiência é vergonhoso de se dizer. Teve uma vez, minha mãe ainda era viva, eu liguei o som do carro. Pra quê eu fui ligar aquele som! Era um tal de vai que tá gostoso e outras frases ainda piores. Sabe quando o sangue esfria, dá frio na barriga, na cabeça, no pé? Pois é! A vergonha que eu senti da minha mãe e daquela situação foi tão grande que fiquei estático, não conseguia sequer apertar o botão de desligar. É por essas e outras que eu nem ligo mais o meu rádio. Mas acho que nem tudo está perdido. E foi pensando assim que ontem resolvi ligar o som. Eu ate levei um susto; estava tocando Noel Rosa. Depois me dei conta que era madrugada. Eles costumam tocar as melhores quando muitos já estão dormindo. Não sei por que isso. Deve ser porque eles têm vergonha de parecerem antigos. Depois começou a tocar Wave, de Tom Jobim. Tenho pra mim que Tom estava transando quando fez essa música. Não tem outra explicação. Fundamental é mesmo o amor, É impossível ser feliz sozinho. Amanheci com essa frase na cabeça. É impossível ser feliz sozinho. Resolvi escrever sobre isso.

‘É impossível ser feliz sozinho’. Será realmente verdade?!  Acho que sim. Mas pra ele não parecia. Apenas não parecia.

Era cedo. Umas 5h, talvez. Café quente, cheiro de casa de vó. Café de cafeteira, é claro. Ele não tinha ninguém que lhe o preparasse.

- Você deveria encontrar alguém,
- Alguém quem?
- Alguém cara, alguém. As pessoas fazem isso, sabia? Encontram alguém. Alguém que faça seu café. Vai que um dia a cafeteira quebra.
- Ora, compra-se outra. E depois outra, e mais outra. Um estoque de cafeteiras.
- Ó céus, não é a cafeteira! A cafeteira não importa.
- Como não importa? Importa sim. Ela que faz o café.
- AH, deixa a droga do café pra lá! Que se dane o café
- Como 'que se dane o café'? É o café, eu gosto do café. Café é muito bom. E além do mais faz bem, sabia? 
- Tá bom, desisto. O café faz bem. Mas e o seu almoço?
- Meu almoço? O que é que tem de errado com meu almoço?
- Faz mal se alimentar só de besteiras da rua. 
- Mas eu não como só besteiras. Tinha até pedacinhos de tomate na coxinha que eu comi ontem. E tinha alface no hambúrguer de domingo também. 
- Você vai morrer cedo se continuar comendo essas coisas.
- O que? Eu vou morrer? Cedo quando? Hoje? Eu vou morrer. Ai meu Deus, eu vou morrer. Tá tudo ficando escuro.
- Não, não! Se acalme. Não precisa ficar assim. E pra que esse telefone?
- Alô? É da funerária? É que eu to prestes a morrer e eu queria...
- Ficou louco? Desligue esse telefone! Você não vai morrer, é modo de falar.
- Sempre essas gracinhas de me fazer de bobo. Da última vez me fez vestir roupa de mulher no reveillon, dizendo que já era carnaval. 
- Cara, é sério. Você precisa ter alguém!
- Como é legal falar no telefone. Tem uma voz do outro lado que falou comigo, sabia?
- Ãn? Como assim? Você nunca tinha usado o telefone?
- Hum... Ah teve uma vez sim que eu usei, mas nem deu pra falar direito. Eu tentava falar, mas a mulher do outro lado não deixava. Ela ficava com um tal de 'Desculpe o transtorno..' e não sei o que mais lá, toda mal educada ela.
- Claro que ela não respondia. É uma mensagem gravada. Ela não responde.
- Então não tem graça ligar pra essa tal de mulher da mensagem. Não sei pra quê ela quer telefone então. Já basta o rádio que a gente escuta calado, sem poder reclamar do pessoal que canta mal.
- Falando em rádio, o seu já tá precisando de uma limpeza, né? Aliás, a sua casa toda. O que aquela cueca faz pendurada ali?
- Cueca?! Onde?
- Ali, olha... Oh meu Deus, não é cueca. É uma teia de aranha!
- Aah sim. Você até me assustou. Há tempos não uso cuecas. Até estranhei.
- Você não o quê?
- É, eu não uso. Pra que? Eu não saio de casa. E além do mais não tem quem lave.
- Caramba, é serio. Você precisa urgentemente de alguém.
- Tá bom então! Você me convenceu. Pegue a lista telefônica.
- Pra quê?
- Pra ligar pra alguém, ora. Você fala pra encontrar alguém e depois esquece? Parece que tá ficando lelé da cuca.
- E como você pretende fazer isso pelo telefone? Alô, aqui é um homem de meia idade, meio juízo, meio feio, meio banguela...
- Não se preocupe com isso. Ela não liga pra minha aparência.
- Como assim? Como não liga?
- Ah, acredite. Empregadas domésticas só querem saber quanto você pode pagar, é a primeira coisa que perguntam. Nem ligam pra aparência.
- Desisto! Não é desse tipo de alguém que eu to falando. É de alguém alguém, entende?!
- Alguém alguém? Não, não entendo.
- Alguém, cheiro de lavandacoração a mil, beijo na boca, pique-nique no parque, guerra de pipoca no cinema... entendeu?!
- Ah sim. Agora entendi. Eu já vi algo desse tipo na televisão, mas só que lá tinha sexo.

Escureceu. Estou sozinho novamente. Já se foi mais um dia. E eu aqui mais uma vez passei o dia todo dialogando comigo mesmo. Já não suporto mais fantasiar situações e conversas. Não tem ninguém que me faça companhia. Queria poder falar, ouvir, sentir, viver. Mas eu não sei fazer isso, eu não sei como... Ah, já sei!

- Alô? É da funerária?...Não, não. Ninguém morreu... É que eu só queria conversar um pouquinho mesmo... Sabia que é sempre bom ter mais de uma cafeteira?... É, elas costumam quebrar de vez em quando...